Chá, papel, lápis, ovos cozidos e livros: história do dia em que a minha vida parou

Quando 2020 acabou, senti que um camião, com uma carga pesada e explosiva, tinha-me atropelado. Muitas mentorias, muitas formações e muitas encomendas de bolachas, num dia a dia quase sem direito a pausas para respirar e ganhar energia junto da família e amigos, deixaram-me esgotada. Chegou janeiro. Acrescentei mais um ano à minha vida e aumentei horas impossíveis à agenda. Um dia, senti que eu já não era eu. Deixei de ser uma pessoa, passei a ser uma máquina. Em março, com um mau humor que até eu tinha dificuldade em aturar-me, decidi: vou tirar um dia só para mim.

24 de março de 2021, o dia em que não marquei nada na agenda

24 de março de 2021, o dia em que não marquei nada na agenda

O mais difícil foi dizer NÃO a todas as pessoas que “precisavam” muito de mim nesse dia. Recusei mentorias, adiei formações, não respondi a e-mails, não escrevi uma única linha dos livros que estou a escrever, não atendi telefonemas de trabalho. Foi o meu dia.

Mas afinal o que fiz neste 24 de março?

Levantei-me cedo, como sempre. Pus ovos a cozer, fiz chá e sentei-me na varanda. A minha ideia de um dia sem fazer nada não era, propriamente, “um dia sem fazer nada”. O que eu senti que precisava era de um dia a pensar nas coisas que quero fazer daqui para a frente. Um dia para ler, tirar notas, apanhar sol. E foi o que fiz.

Preparei o meu canto na varanda, pus protetor solar (menos junto ao pescoço, o que me valeu um escaldão, com direito a marcas dos fios na pele!), levei quatros livros que queria muito reler para ativar ideias, um caderno, um lápis e uma caneca de chá.

Primeiro voltei a ler o “Tu és Genial, mas ainda não sabes”, de Rod Judkins. Fartei-me de rabiscar no livro e de tirar ideias para textos – este blogue tem de passar a estar ativo! -, mas houve um parágrafo que me chamou muito a atenção:

“Acreditamos que a criatividade é uma característica com a qual se nasce e que quem não a tem só pode invejar. Errado. A criatividade é uma aptidão que todos podemos desenvolver. (…) Os criativos são persistentes.”

É engraçado como as pessoas passam a vida a dizer que não são criativas ou que a criatividade é “coisa de artistas”. O ano passado, quando fui dar um workshop de Escrita Criativa ao Porto, tive um formando que me avisou logo: “Sou engenheiro e não sou nada criativo”. No fim das oito horas, depois de muitos exercícios e com um ar completamente esgotado, ele quis ler o resultado do último desafio que envolvia dois quadrados de chocolate. O texto estava brilhante. “Afinal, tenho criatividade dentro de mim”, desabafou. Nesse dia, ele percebeu que a criatividade é um músculo que tem de ser trabalhado tal como a Patrícia Mamona trabalha para ter aqueles glúteos invejáveis.

Bem, depois de terminar este livro (é pequenino e lê-se muito bem), mais uma chávena de chá, mais um ovo cozido* e uma sesta ao sol. Acordei com as pernas a escaldar e as bochechas a rebentar de vermelhas. Acho que dormi uma hora, mas o meu corpo sentiu que foram muitas mais. Há muito tempo que não me sentia tão leve.

O que aprendi com esta pausa

Tive 1001 ideias de projetos que quero pôr a andar. Decidi que vou mesmo avançar com uma “coisa” que quero muito e fiz desenhos e planos e frases para ver esse sonho ganhar forma. Sinto que vai acontecer.

Reli os meus dois livros preferidos do Austin Kleon: “Roube como um artista” e “Mostre o seu trabalho”. Quem já passou cinco minutos a falar comigo sabe que sou doida por este autor. Os livros leem-se num ápice, mas têm de se saborear várias vezes. Sempre que os folheei, encontrei explicações que me fizeram sentido para o momento que estava a viver. Mas, a 24 de março de 2021, retive estes dois excertos:

“Experimente observar pessoas ao computador. Ficam tão quietas, tão imóveis. Não é necessário um estudo científico para perceber que passar o dia inteiro ao computador o está a matar – e a matar o seu trabalho.”

“Roube como um artista”, Austin Kleon

Página do livro “Mostre o seu trabalho”, de Austin Kleon

Fosse o que fosse que me viesse parar às mãos neste dia, a lição era sempre a mesma: parar para ativar a criatividade.

Enchi mais vezes a minha caneca de chá, comi mais um ovo cozido e prometi: “Mónica, pelo menos uma vez por mês, vais parar para mais dias assim. ” O de abril já está marcado na agenda.

Depois desta experiência, desta pausa, desta espécie de dia em que a minha vida parou, voltei a respirar.

Olá, sou a Mónica, aprendi a parar e voltei a ser criativa

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